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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A FELICIDADE DOS OUTROS



A FELICIDADE DOS OUTROS

Contardo Calligaris


A necessidade de mostrar ao mundo um semblante feliz é uma das grandes fontes de infelicidade.

                                      "UMA  AMIGA inventou um jeito de curtir sua fossa. Depois de um dia de  trabalho, de volta em casa, ela se enfia na cama, abre seu laptop e  entra no Facebook.

                            Ela  não procura amigos e conhecidos para aliviar o clima solitário e deprê  do fim do dia. Essa talvez tenha sido a intenção nas primeiras vezes,  mas, hoje, experiência feita, ela entra no Facebook, à noite, como  disse, para curtir sua fossa. De que forma?

                           Acontece  que, visitando as páginas de amigos e conhecidos, ela descobre que  todos estão muito bem: namorando (finalmente), prestes a se casar,  renovando o apartamento que sempre desejaram remodelar, comprando a casa  de praia que tanto queriam, conseguindo a bolsa para passar dois anos  no exterior, sendo promovidos no emprego ou encontrando um novo "job"  fantasticamente interessante. 
                            E todos vivem essas bem-aventuranças  circundados de amigos maravilhosos, afetuosos, alegres, festeiros e  sempre presentes, como aparece nas fotografias postadas.


                  Minha  amiga, em suma, sente-se excluída da felicidade geral da nação  facebookiana: só ela não foi promovida, não encontrou um namorado  fabuloso, não mudou de casa, não ganhou nesta rodada da loto. É mesmo um  bom jeito de aprofundar e curtir a fossa: a sensação de um privilégio  negativo, pelo qual nós seríamos os únicos a sofrer, enquanto o resto do  mundo se diverte.



                         Numa  dessas noites de fossa e curtição, minha amiga, ao voltar para sua  própria página no Facebook, deu-se conta de que a página não era  diferente das outras. Ou seja, quem a visitasse acharia que minha amiga  estava numa época de grandes realizações e contentamentos. Ela comentou:  "As fotos das minhas férias, por exemplo, esbanjam alegria; elas não  passaram por nenhum photoshop, acontece que são três ou quatro fotos  "felizes" entre as mais de 500 que eu tirei".


                       Logo  nestes dias, acabei de ler "Perché Siamo Infelici" (porque somos  infelizes, Einaudi 2010, organizado por P. Crepet). São seis textos de  psiquiatras e psicanalistas (e um de um geneticista), tentando nos  explicar "por que somos infelizes" e, em muitos casos, por que não  deveríamos nos queixar disso.



                         Por  exemplo, a infelicidade é uma das motivações essenciais; sem ela nos  empurrando, provavelmente, ficaríamos parados no tempo, no espaço e na  vida. Ou ainda, a infelicidade é indissociável da razão e da memória,  pois a razão nos repete que a significação de nossa existência só pode  ser ilusória e a memória não para de fazer comparações desvantajosas  entre o que alcançamos e o que desejávamos inicialmente.

                    Não  faltam no livro trivialidades moralistas sobre o caráter insaciável de  nosso desejo ou evocações saudosistas do sossego de algum passado rural.  Em matéria de infelicidade, é sempre fácil (e um pouco tolo) culpar a  sociedade de consumo e sua propaganda, que viveriam às custas de nossa  insatisfação.


                          Anotei  na margem: mas quem disse que a infelicidade é a mesma coisa que a  insatisfação? E se a infelicidade fosse, ao contrário, o efeito de uma  saciedade muito grande, capaz de estancar nosso desejo? Que tal se a  infelicidade não tivesse nada a ver com a ansiedade das buscas  frustradas, mas fosse uma espécie de preguiça do desejo, mais parecida  com o tédio de viver do que com a falta de gratificação? Em suma, você é  infeliz porque ainda não conseguiu tudo o que você queria, ou porque  parou de querer, e isso torna a vida muito chata?



                      Seja  como for, lendo o livro e me lembrando da fossa de minha amiga no  Facebook, ocorreu-me que talvez uma das fontes da infelicidade seja a  necessidade de parecermos felizes. Por que precisaríamos mostrar ao  mundo uma cara (ou uma careta) de felicidade?

1)  A felicidade dá status, como a riqueza. Por isso, os sinais aparentes  de felicidade podem ser mais relevantes do que a íntima sensação de  bem-estar;



2) além disso, somos cronicamente dependentes do olhar dos outros. Consequência:  para ter certeza de que sou feliz, preciso constatar que os outros  enxergam minha felicidade. Nada grave, mas isso leva a algo mais chato: a  prova de minha felicidade é a inveja dos outros.



                 O  resultado dessa necessidade de parecermos felizes é que a felicidade é  este paradoxo: uma grande impostura da qual receamos não fazer parte e  que, por isso mesmo, não conseguimos denunciar."

Contardo Calligaris é psicanalista, doutor em psicologia clínica (Université de Provence) e colunista da Folha de S.Paulo.
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FRASE DA VEZ:

"Na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira." (Goethe)
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FOTO ENCANTADORA:
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3 comentários:

  1. "cuja ventura única consiste/em parecer aos outros venturosos. Versos de Raimundo Correa.
    Temos necessidade de aparentar uma felicidade.Afinal, ninguém tem nada a ver com nossas tristezas.

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  2. Oi, amiga !
    Estava com saudades de você !
    Obrigada por passar por aqui.

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